Casa.

Eu me mudei porque não me sentia em casa. Eu olhava para meu confortável mundinho e sentia falta de algo mais, de algo que eu pudesse chamar de lar. E assumir isso é mais difícil do que eu pensava que seria, pois dentro daquelas paredes se encontravam as pessoas que eu mais amava e com as quais eu me sentia segura.

Mas a minha alma continuava inquieta. ‘Eu quero mais, eu preciso de mais’ eu repetia para mim mesma, mesmo nos dias em que eu duvidava da minha própria capacidade e merecimento. Querer algo e merecer algo são duas coisas completamente diferentes e muitas vezes eu me questionei se algum dia eu já mereci um lar, quando na verdade, a grande descoberta da minha ainda breve existência foi que eu nunca tive um lar. Pelo menos, não um propriamente dito.

Eu tinha comodismo. Tinha medo. Reflexos de traumas daquilo que um dia deveria ter sido meu abrigo. Um emaranhado de angústias e ausências do qual eu não conseguia me livrar. E eu fazia um esforço descomunal para me libertar. Eu sonhava com isso todos os dias.

E então, minha grande chance chegou. Resolvi apostar todas as minhas fichas na minha grande aventura, aquilo que me faria olhar para dentro de mim mesma e me reencontrar os resquícios de quem um dia eu fui e daquilo que eu sonhava ser; o grande momento em que eu teria nas minhas mãos a oportunidade de reconstruir a minha vida, recomeçar do zero. Novos ares, novos caminhos, novos horizontes.

Mudei de país. Mudei em vários sentidos desde que pisei na Irlanda pela primeira vez. E é bizarro pensar que dois meses atrás eu era uma pessoa completamente diferente da que agora vos fala. Aqui, minha visão de mundo se expandiu e tudo aquilo que me era concreto acabou caindo por terra. É fantástico e assustador ao mesmo tempo.

Só que toda essa transformação – ou transmutação, encare como quiser – desencadeou em mim uma série de indagações que têm se mostrado um tanto insistentes: quando começarei a me sentir em casa? E qual é o verdadeiro significado de lar?

Ainda me sinto estrangeira. Não apenas porque sou, de fato uma, mas porque sempre me senti dessa maneira. Eu me sentia estrangeira na minha própria cidade, na minha própria família, no meu próprio corpo. Minha busca incansável por muito tempo foi por aceitação e pertencimento. E foi essa busca que me trouxe à terras tão úmidas e distantes, em que o tempo é tão melancólico quanto minha personalidade.

Sempre fui uma forasteira, pois esse é um traço do meu espírito, uma característica da minha essência. Ao perceber isso, minha ficha caiu: por onde eu passar, sempre me sentirei dessa forma. A sensação de que me falta algo, de que preciso preencher alguma lacuna sempre me acompanhará, ainda que eu tenha a certeza de que eu sou a minha própria casa.

E eu realmente sou minha própria casa pois foi meu próprio corpo que me consolou nos momentos de dor, foi o mesmo que me fez caminhar até meu destino final, e é ele quem me fará continuar nessa busca incessante por uma estabilidade que eu não sei se irei encontrar.

Em meio a tantos questionamentos profundos, fui tirada da minha rotina e passei o feriado de Páscoa ao lado do meu tio – meu único porto seguro em meio ao caos da juventude, e com muita leveza percebi como é bom sorrir. Como é bom rever amigos que eu não encontrava desde a última vez que estive em Genebra.

Eu ri como não ria há meses. Eu era pura serotonina. Meus medos, questionamento e insegurança, ao lado dele e de nossos outros amigos, não passavam de fantasmas. Tudo que me tirava a paz parecia tão distante de mim que durante aquele final de semana, eu esqueci minhas ansiedades e respirei fundo. Tão forte foi o sentimento e tão rápido a experiência.

As horas passaram voando e me sugaram de volta para a realidade de Dublin num avião minúsculo em meio a um aeroporto superlotado. Estava cansada, mas não consegui dormir durante as duas horas de voo. Meus olhos simplesmente se recusavam a fechar.

No fim do dia, enquanto olhava para o teto do meu pequeno quarto relembrando os melhores momentos, percebi que o que fez meu coração aquecer tanto durante aquela curta viagem foi me sentir parte de algo. Eu me sinto parte da vida do meu tio, sinto que ele é minha única família além da minha avó. Mas também me sinto parte do seu ciclo de amizades, da sua rotina.

No final das contas, eu entendi: eu sou minha própria casa e principal companhia por onde quer que eu vá, mas meu lar é nas pessoas que eu amo e na sensação de me sentir amada.

Amor, ele e apenas ele é o combustível da vida. É ele quem nos move, quem nos rega, quem nos alimenta, nos faz crescer e pertencer a algum lugar. Se não for dessa maneira, me sentirei uma outlander: sempre estrangeira, nunca pertencente.

2 comentários

  1. Teresa Lopes Poeta disse:

    Parabéns

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  2. JCDattoli disse:

    Priscilla, que texto bacana, transbordando sentimentos, de uma escritora que não se esconde. Parabéns pela coragem de ir atrás dos seus chamados e pela franqueza da sua expressão textual. Vá em frente, se realize, sucesso!

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