Máquina de escrever

Revirando os armários de ponta à cabeça, encontrei uma máquina de escrever. Uma Olivetti Lettera 82, que pertenceu à minha mãe.

Passei o resto do dia refletindo sobre um objeto. Parece loucura, mas de alguma forma, essa peça mexeu muito comigo. Entrei em reflexão, passei minutos que mais pareceram uma eternidade olhando para ela, me perguntando quantas letras ela já viu, quantas cartas já escreveu, quantas confidências já compartilhou, quantas poesias já leu.

Seu tom verde oliva desgastado pelas forças do tempo parece intacto na minha mente fervorosa que adora imaginar coisas e situações. Seu cheiro de tinta seca, quando inalado pelas minhas narinas, é transformado em memórias de momentos que eu nem vivi.

Quantas histórias descansam em seus jazidos na minha frente? Quantas aventuras se esvaíram pelos dedos de uma escritora que não sabia ser escritora, que apenas brincava com as palavras e fingia que a vida era poesia?

Quantos amores secretos ficaram ali contidos? E quantas juras foram declamadas em papéis que hoje estão amarelados?

Quantas perguntas podem residir dentro de mim, que ainda hoje, insisto em fazer os mesmos questionamentos da mulher que um dia utilizou essa máquina como ferramenta?

E quantas lágrimas cabem nos meus olhos ao encarar um vestígio do passado dela que se materializou no meu presente?

A máquina de escrever da minha mãe agora é minha. E eu, contra todas as expectativas, acabei me tornando a própria máquina de escrever.

6 comentários

  1. Isaac disse:

    Duas coisas que me afetam muito: as memórias que habitam as coisas como fantaxmas e a metáfora da máquina de fazer. Obrigado por compartilhar essa cena mística.

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  2. Pedro Rabello disse:

    Lembro até hoje do tec-tec da digitação na máquina de escrever e de como eu adorava visitar o trabalho dos meus pais só para escrever/brincar nelas.

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  3. Tenho um pequeno vaso para planta que é em forma de máquina de datilografar.

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  4. Olá, Priscilla! Como vai? Te sigo a algum tempo. Seus textos me inspiram muito. Esse da “Máquina de escrever”, então. Tenho extraído algumas frases muito especiais, que despertam sentimentos e abrem caminho para reflexões. Gostaria de saber se posso citar alguns trechos de seus textos em meus perfis nas redes sociais. Claro, reconhecendo sempre a sua autoria. Acho que as pessoas deveriam conhecer o seu trabalho mais de perto. Grata,

    Elizandra

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    1. Priscilla Boechat disse:

      Meu Deus!!!! Que honraaaa! É claro que pode, ficarei muito feliz com esse reconhecimento. Obrigada por ler e compartilhar meu trabalho. Sinta-se sempre abraçada e à vontade.

      Beijos,

      Pri

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  5. meu coração apertou nesse texto 🥺💕

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